O trabalho rural nas fotos de Lucy Anunciação

Lucy Anunciação

Lucy Anunciação, uma moderna Jean-François Millet com câmera digital

Fui criado nos anos ’60 em Roma, grande metrópole em rápida expansão, em pleno boom econômico e demográfico da Itália pós-guerra. Mas no verão meus pais me mandavam passar 3 meses na casa de minha avó, camponesa da Itália central, em um perdido vilarejo no meio das montanhas dos Abruzos. Todos os dias levantávamos ao amanhecer e íamos aos campos, a poucos minutos a pé da casa dela. Era um ritual; todos os dias, em silêncio, chegávamos no meio dos cultivos, minha avó tirava meu chapeu e rezávamos um minuto antes de começar o trabalho. Eu na verdade nem trabalhava, só fingia, mexendo o chão com uma pá com ponta amassada. Era pequeno demais para ser útil, minha função era só aprender o valor do trabalho e do sacrifício. Estava lá, em silêncio, respirando o ar dos campos frescos de manhã cedo e ouvindo só o barulho dos pássaros e da enxada que minha avó batia na terra seca. De vez em quando atraía a minha atenção o balido de um cordeiro, provavelmente à procura do leite da mãe. Sensação única, de paz e de energia positiva, que ainda acompanha minhas lembranças daquela época feliz.

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O “Angelus”, de Jean-François Millet

Muitos anos depois, em uma das minhas viagens de estudo em Paris, no museu d’Orsay tive a oportunidade de conhecer o trabalho de Jean-François Millet, pintor realista da França rural, do século XIX. Olhando e “vivendo” a tela do Angelus revivi as mesmas sensações, quase esquecidas, de quando ia com minha avó ao trabalho nos campos, senti de novo o perfume fresco do capim umedecido, ouvi de novo os pássaros e o barulho da enxada na terra seca, vivi a mesma sensação de paz e de energia positiva.

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Lucy Anunciação

Meio século depois, do outro lado do mundo, tive a oportunidade de reviver de novo a mesma sensação, desta vez quando a minha amiga baiana Lucy Anunciação, fotógrafa “rural”, me apresentou o trabalho dela.
Instantes privilegiados de mulheres com lindíssimas mãos enrugadas, com o rosto com as marcas da fadiga e ao mesmo tempo do orgulho de quem, pela vida inteira, trabalhou nos campos.
Camponesas plantando ou descascando mandioca; marisqueiras mariscando na praia; homens indo aos campos acompanhados pelos filhos; trabalhadores da terra.
Uma mistura de fotografia, poesia, pintura e valorização do ser humano.

No dia 14 de fevereiro de 2019, Lucy Anunciação recebeu, pelo seu belíssimo trabalho, o “Grande Prêmio Giuliano Ottaviani” no Centro de Cultura da Câmara Municipal de Salvador.
É a eclética valorizando, reconhecendo e internacionalizando artistas, poetas e a cultura da Bahia.

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