Ver além

foto de Sandro Incurvati

As cores no escuro

Alex Garcia, educador surdocego

alex garcia
Alex Garcia

Quem disse que um cego não consegue enxergar? Precisamos necessariamente dos olhos para isso? E para ver o que? As cores do céu no pôr do sol? O azul do mar? O rosto de uma menina linda? Será que é só por meio dos olhos que nós podemos gostar de momentos como o pôr do sol, das cores do mar ou da beleza de uma pessoa?
Imagine, ao pôr do sol, ficar de olhos fechados, sentindo uma leve brisa no rosto e o barulho dos pássaros namorando; ou ficar na praia, sempre de olhos fechados, tocando a areia morna com as mãos, ou sentindo as ondas nos pés; ou perceber a beleza de uma pessoa pelo abraço, pelo cheiro, por uma carícia, pelo amor. Quem é que enxerga mais longe, quem usa os olhos para isso, ou quem usa a alma e o corpo inteiro? Aprendi isso com os anos, conhecendo e frequentando pessoas com deficiência visual ou auditiva. Até minha mãe, Raffaella Del Greco, escritora e poetisa italiana com 93 anos, que há alguns anos não enxerga mais por uma patologia degenerativa. Mas ela, mesmo nesta situação, ainda continua a sua vida literária, participando de eventos, dando entrevistas, mostrando toda a poesia do seu coração. E assim conheci pessoas cegas de uma capacidade e de uma sensibilidade incríveis, que me ensinaram que conseguem enxergar mais “cores” que o resto do mundo que tem 100% de visão. É como se eles conseguissem ver cores que o nosso olho não vê. Eles conseguem ver … além.

Uma dessas pessoas é Alex Garcia, educador e escritor surdocego, pessoa fantástica e de grande sensibilidade. Enviei uma poesia dele a Pompea Fiorini, minha conhecida italiana que organiza jantares no escuro para sensibilizar as pessoas sobre os problemas dos deficientes visuais. No último evento que ela organizou em Roma, a atriz Luisa Stagni, cega também, recitou a poesia do Alex. Alex, Pompea, Luisa, Raffaella, estão nos ensinando a ver no escuro, a ver cores que nem sabíamos que existiam, a ver além.

Concluo com alguns versos da poesia “Sonhos de um surdocego”, de Alex Garcia:

“…Sonho que um dia… a humanidade resgatará a sabedoria e entenderá minha comunicação.
Sonho que um dia… a humanidade voltará a ser próxima, como na antiguidade.
Sonho que um dia… a humanidade será livre de preconceitos e me tocará sem medo…”

Matéria de Sandro Incurvati, publicada na Revista Reação, número de abril de 2019

 

2 Comments

  1. Amei a leitura do texto. Sou professora de pessoas com deficiência visual no Brasil

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